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josé carlos costa
Tecer alguns comentários, como os que serão feitos adiante, a respeito do ensino da filosofia nas escolas secundárias de Pindorama, justamente no “Dia Mundial da Alfabetização” (08/09), quando a Unesco acaba de divulgar que, no Planeta que habitamos, de cada cinco seres semelhantes a nós, um continua analfabeto, dá um sabor amargo de estar falando de plumas e paetês em caverna de selvagens maltrapilhos. Todavia, um dos aspectos mais fascinantes do saber filosófico é justamente a possibilidade do raciocínio contrário, ou seja, não teria sido a falta de um conhecimento mais amplo e disseminado do tipo de reflexão que ele suscita, uma das causas contribuintes para que esse estado de coisas se perpetue?
Por ora, deixemos essa indagação em suspenso, e tratemos do assunto mais urgente, que tem a ver com dois projetos de lei dando conta de tornar obrigatório o ensino da filosofia e sociologia nas escolas de segundo grau. O primeiro, de autoria do deputado Padre Roque (PT-PR), já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está no Senado para ser votado em plenário no próximo dia 18. O segundo, uma iniciativa do deputado estadual Jamil Murad (PCdoB-SP), também se encontra prestes a ser votado na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.
Para entender a questão, é necessário remeter a proposição dos dois parlamentares, à Lei 9394/96, mais conhecida como LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), cujo artigo 36, inciso IV prescreve que: “Serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias”. Segundo a mesma LDB, no final do Ensino Médio, o aluno deve demonstrar o “domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania”.
Não vem ao caso relembrar tudo novamente, mas o processo de aprovação da atual LDB foi atropelado pelos pedocratas, quer dizer, “economistas” formados conforme a cartilha do FMI e do Banco Mundial, travestidos de “educadores”. Em vista disso, aquela generosa abertura da Lei para as matérias absolutamente necessárias para a consolidação da base humanista no que se refere aos conhecimentos adquiridos pelos educandos, perdeu todo o sentido quando, em outro lugar, os energúmenos inseriram um outro dispositivo estabelecendo que as duas disciplinas (Filosofia e Sociologia) fossem ensinadas “transversalmente”, ou seja, incluídas em outras matérias, mas não lecionadas individualmente. Em outras palavras, da forma como está na LDB, apenas se sugere que as escolas desenvolvam conteúdos filosóficos e mais, a inexistência de regulamentação específica, abre brecha para que qualquer “curioso” possa trabalhar esse conteúdo nas escolas.
Foi em cima dessa flagrante contradição contida no texto da LDB, que levou os referidos parlamentares a proporem a inclusão das duas disciplinas na qualidade de obrigatórias e exclusivas. Vale a pena transcrever o trecho do projeto do deputado Padre Roque, que não destoa da argumentação de Jamil Murad, enquanto justificativa: “Dificilmente será bem sucedida a inclusão de temas referentes a estes campos em outras disciplinas, com docentes que não tenham a formação plena e adequada para o cumprimento dessa tarefa. Daí ser insatisfatório o texto da atual LDB”.
Ainda, em defesa da inclusão da Filosofia (que vale também para a Sociologia) no currículo do ensino médio, Padre Roque citou o professor Franklin Leopoldo da Silva: “Existe, portanto, um lado pelo qual a Filosofia ocupa na estrutura curricular uma posição análoga a qualquer outra disciplina: há o que aprender, há o que memorizar, há técnicas a serem dominadas, há, sobretudo, uma terminologia específica a ser devidamente assimilada”. E, concluiu aquele professor: “A Filosofia tem uma função de articulação do indivíduo enquanto personagem social, se entendermos que o autêntico processo de socialização requer a consciência e o reconhecimento da identidade social e uma compreensão crítica da relação homem-mundo”.
É o caso de se perguntar se poderia haver alguém realmente interessado pela formação cultural e intelectual de nossa juventude, e que seria contrário à aprovação, especialmente do projeto do Padre Roque, que trará conseqüências para a educação de todo o País? Não somente existe, como são muitos e estão mobilizando mundos e fundos para barrar a aprovação desse projeto de lei. A começar pelo próprio MEC, que já orientou os senadores governistas para que votem contrário à sua aprovação. Dizem que, além do projeto “engessar” o currículo, “o governo está preocupado com a falta de professores específicos para ministrar essas matérias no interior do Brasil”. A “desculpa”, como vemos, é tão convincente que dispensa maiores comentários.
Em outra trincheira contrária à inclusão da Filosofia no segundo grau, alinham-se os filósofos heideggerianos brasileiros (por referência ao filósofo alemão Martin Heidegger), e que não se confundem totalmente com os simpatizantes de Joerg Haider, aquele político austríaco que andou assustando a consciência democrática européia, mas que, numa leitura atenta do que escrevem, as semelhanças não se restringem à mimologia dos nomes. Só para dar uma idéia do que estamos falando, um dos livros publicados pelo líder dessa corrente filosófica intitula-se, justamente, “O Imbecil Coletivo”, entendendo-se por imbecil todos aqueles que se deixam levar pela “pregação marxistóide e esquerdizante que infesta o ensino brasileiro”.
Especificamente a respeito da lei que torna obrigatória a inclusão da Filosofia no segundo grau, um dos membros dessa corrente filosófica, Álvaro Velloso de Carvalho, escreveu, dia desses, que isso é uma “idiotice e uma imoralidade”. Segundo ele, o projeto do “padre pentelho” é tudo isso porque, “é óbvio para qualquer mortal com mais de dois neurônios que isso vai servir para que as escolas façam descer pela goela dos pobres alunos aquele marxismo vulgar e mal digerido que já é regra geral nas aulas de História e Geografia. Isso porque é óbvio que ninguém vai ensinar sociologia para estudar textos de Weber, ou Nisbet, ou Voegelin, e sim para fazer doutrinação – isto é, fazer os estudantes decorar Marx, Gramsci, Althusser, Rousseau e demais bobagens”.
Noutro ponto do seu texto, o defensor de que a Filosofia é atividade para doutos, “para personalidades amadurecidas” como ele mesmo disse, porque “o estudo da filosofia é o esforço supremo da alma em busca do conhecimento; é a atividade mais nobre da inteligência” e, portanto, a intenção de popularizá-la só pode esconder “segundas intenções”, buscou demonstrar sua opinião, recorrendo à análise “da maior parte dos livros ditos de ‘iniciação filosófica’”. Citou, nominalmente, o “Convite à Filosofia” de Marilena Chauí e o “Filosofando” de Maria Helena Arruda como obras “grotescas”.
Por fim, Álvaro de Carvalho concluiu que “o ensino de filosofia no segundo grau, com todas as distorções que introduzirá nas almas e nas consciências dos alunos, terá por resultado final a produção em massa desse tipo de señorito arrogante (nos termos de Ortega y Gasset), de bárbaro que se julga muito culto, de imbecil pronto a se sentir superior a São Tomás de Aquino, Avicena e Maimônides só porque lhe disseram que a religião é produto da ideologia da classe dominante”. Ainda, segundo esse guardião da verdadeira pureza filosófica, caso o projeto seja aprovado, “o país estará dando mais um passo para deseducar as pessoas, para deixá-las reduzidas ao nível da ignorância, para chafurdá-las ainda mais nas trevas” e, acabará servindo apenas para que “a dona Marilena Chauí, aliás, uma das principais defensoras desse projeto de lei, não à toa, continue vender mais exemplares de sua obrinha ridícula...”.
Claro que nenhum “habitante acordado da nação brasileira”, para usar uma expressão ad hominem, é ingênuo ou astuto o suficiente para acreditar que a inclusão da Filosofia e da Sociologia em nossas escolas de segundo grau, vai causar uma revolução no modo de pensar dos jovens que freqüentam esse nível de ensino. Apesar de tudo e de todos, nosoutros propugnamos para que não se continue negando à juventude brasileira, a chance de ter contato com outra forma de dar sentido à existência, fora dos misticismos obscurantistas ou, pior, do hedonismo mais abjeto.
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